Na avenida da minha vida, componho e compartilho a ferro e flores de todas as emoções, inquietações e explosões de uma jornada profunda, intensa e fascinante.
Seja Bem vindo!

domingo, 21 de novembro de 2010

Um dia aconteceu

Aos cinquenta e três anos ele tentou se matar. Ao despertar no hospital deparou-se com a enfermeira que o interpelou:
- Por quê? Por quê?
Ele respondeu, sucinto, lúcido, pleno de sua própria dor:
- Sem esperança.
Ela dedilhava um violão do lado de fora de um bar quando se conheceram. Os olhares se cruzaram imediatamente a sua chegada. Ela tocava uma música da Elis Regina que sempre a emocionava.
Começaram a namorar semanas após esse encontro. Ela dedicou todos os mais nobres sentimentos para aquela relação. Ela se deu por completo, mais do que aquilo, era quase como doar sua alma. Como o amava!
Ele ainda era casado. Ela ficou sabendo uns meses após iniciar aquele relacionamento. Ele estava tão apaixonado que separou-se da mulher para estar ao lado dela.
Após um período juntos, resolveram que teriam um filho... A cada mês ela fazia uma exame para constatar a tão sonhada gravidez. E a cada Negativo, chorava noites inteiras.
Um dia, em plena embriaguez de ambos, ela descobriu que ele não podia ter filhos. Mas porque deixara achar que podia? Porque deixara que ela chorasse noites inteiras, achando que a culpa era dela?. Porque não a poupou de tal dor? Eu acho que ela mesma não sabe responder até hoje a tais fatos.
Os anos se passaram e aquela relação foi virando um elefante branco, uma coisa esquisita. Ela ainda o amava. Mas era estranho. Não o conhecia. Sentia que o conhecia cada vez menos...
Porque a cada dia aumentava a sensação de estar casada com um estranho. Cinco anos de convivência e um dia você acorda e não sabe mais o que fazer. Não sabe mais recomeçar, não sabe nem o que está fazendo ali. Vai escondendo a sujeira debaixo do tapete da sala. O fato é que a mentira nunca prevalece e para mantê-la, outras vão chegando para esconder a antiga. As mentiras vão se avolumando, vão tomando conta do relacionamento, da vida, da história... Você acorda todos os dias ao lado de uma pessoa que sempre amou e que vai aos poucos se transformando em um estranho...
Estelionatário, golpista e mentiroso. Sim, ele era assim. Dava pequenos golpes por aí. Ações que não existiam, faculdade que nunca cursou, mulheres que abandonava com seus vários filhos. Histórias que ela não conhecia, não imaginava.
Mas ela ainda acreditava, porque o amor era imenso. E ele diante de todas as suas ilegalidades, apaixonou-se por ela, menina do interior, que detestava o errado, o torto, o jeitinho brasileiro e a falta de honestidade.
Opostos quase completos, excluindo o fato de algumas semelhanças, tipo, gostarem de sair, de curtir uma noite, uma balada, de tomar um drink (muitos), cantar e dançar...
Mas ela descobriu ao longo dos anos que estava dorminido com o inimigo. Embora percebesse a sinceridade dos sentimentos dele, não entendia a desonestidade de suas palavras. Talvez, na verdade, ela achasse que percebia sinceridade nos sentimentos dele... Dia após dia, descobrindo-o. Levando golpes e golpes na cabeça, no coração, na alma e no bolso. Perdendo noites e noites a chorar, com medo do amanhã, sem perspectiva, sem saída, naquela vida de beco sem saída.
A decepção dói e a ferida se abre de uma forma que parece que vai te engolir.
O buraco negro que ela caiu foi tão grande e tão profundo que não conseguia mais enxergar a luz. Noites inteiras sem dormir, pedindo a Deus que a ajudasse a tomar uma decisão.
Numa noite iluminada ela decidiu. Como num passe de mágica. Acordou no dia seguinte e disse que se separaria. Ele ficou pálido, mudo, imóvel, e disse:
- Tudo bem, não vou insistir.
Mas isistiu, meses de insistência, ameaças, cobranças, perseguições. Ela nem podia por a cabeça pra fora da janela. Ele estava ali, na calçada do prédio. Vigiando. Perseguindo. Ameaçando. À espreita.
Numa tenebrosa noite, dias depois de seu aniversário, ele a convidou para um jantar, alegando uma comemoração de aniversário de sua filha mais nova. Na sua estúpida ingenuidade, ela compareceu... Gostava da menina. Era uma menina boa, elas tinham um relacionamento bacana. Pensou: “por que não ir?”
Ele a serviu um drink, mas ela não aceitou, estava de dieta. Então, serviu-lhe um suco de maracujá, ela tomou um pouco e sentiu um gosto amargo. Não gostou do suco, tinha um cheiro estranho. Ficou confusa. Não tomou mais.
Ele continuou com sua bebida, cheia de veneno de rato, porque rato tem que beber o que lhe é próprio.
Sim, ele se envenenou, e a ela também. A sorte dela foi estar de dieta e ter achado o gosto do suco estranho. Porque, se estivesse bebendo álcool, provavelmente nem teria percebido o gosto estranho. E, se continuasse bebendo, talvez não estivesse aqui para contar essa história...
Minutos depois da bebida, ele passou mal, vomitou, sangrou e fez todas as coisas mais inusitadas de um passar mal bem mal mesmo. O cheiro daquele dia, ela sente até hoje.
Os médicos disseram que não havia mais jeito, morto estava. Ficou pelo menos três meses em côma, mas se recuperou. Rápido demais. E logo a esperança transformou-se em vingança.
Passou a procurá-la dia após dia, sem parar, sem desistir, sem se incomodar, e ainda, e apesar, dos seis boletins de ocorrências que ela fizera.
Passava dias e noites na sua janela, de casa, do trabalho e do seu curso de pós-graduação. Ela tinha feito o boletim de ocorrências por homicídio e a delegada disse a sua mãe:
- Eu sou mãe, e se fosse minha filha eu a levava embora daqui, porque a policia não fará grandes coisas.
Grandes coisas? Ela disse isso. Nada fizeram de fato.
Num momento de fúria e de desesperança, ela fez um escândalo na delegacia, que nem seus pais puderam conter. Chamou os policiais de ratos, incompetentes e quem eles pensavam que eram para dizer que ela precisava mudar da cidade que mudou sua vida? Da cidade que a fez feliz, da cidade que a fez profissional... Quem será que eles pensavam que eram? Eles simplesmente não davam conta de prender um vagabundo que a tentou matar, como assim?
Ela rendeu-se à preocupação da família, e ao medo de permanecer ali. Ela rendeu-se a quem estava errado, porque ninguém mais poderia ajudá-la.
Foi-se embora para o interior, deixando na capital todos os sonhos e esperanças de um mundo inacabado.
Mal sabia ela, que lá, no interior, encontraria verdade, afeto, novos sonhos e novas conquistas.

Se teve algum lado engraçado? Sim, acho que sim
... Depois de seu súbito desvario, o médico lhe deu uma trouxinha com os pertences dele. Não teve coragem e nem vontade de abrir. Sua mãe abriu. Havia um pente, manteiga de cacau, uma nota de um dólar, algumas moedas, um anel grosso, a carteira com os documentos e uma dentadura.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Como assim? O cara usava dentadura e ela nem sabia???
Putz! Ela já o tinha visto até passar fio dental nos dentes!!! Mas o médico confirmou: ele usava dentadura.

28 comentários:

  1. Eu agradeço a Carla Farinazzi, pela contribuição nesse texto.
    Obrigada Carla!
    Você sabe muito bem, detalhadamente, todas essas passagens. Eu só tenho a lhe agradecer.
    Um beijo

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  2. Mayra amiga... que história em... ou é apenas um texto?
    acredito que não, penso ser um fato...
    e a moça será vc?
    um bjo boa madrugada.. bom domingo.

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  3. O texto é ótimo, independente se foi real ou não, e se foi, quem é quem nessa trama. Não importa muito, é bem escrito e faz pensar. O efeito que causou em mim? No mesmo instante em que terminei o texto, pensei: passamos boa parte de nossas vidas ao lado de alguém, achando que o conhecemos e, quando menos esperamos, descobrimos um monstro. Mas afinal, somos nós que acordamos, ou é o monstro adormecido que de repente acorda? Apego: uma prática muito perigosa.

    Beijos e bom domingo.

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  4. Nossa! Meu deu uma arrepio! Nem vou contar o que já aconteceu comigo, mas algo semelhante, não tão radical assim... Affe!

    Beijocas

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  5. Mayra...
    Este texto é incrível. Daria uma excelente short-story em qualquer publicação. O que me fascina na blogosfera, são as pérolas que conseguimos encontrar!
    Sabe o mais triste? É que na realidade existem mesmo pessoas assim, peritos em arquitectar uma vida de mentiras a que não escapam os pormenores mais ínfimos...dentadura. e quem sabe...peruca.
    Adorei o texto. Parabéns!
    Abraços

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  6. Olá, Mayra!
    Adorei a história!
    Bjs!
    Rike.

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  7. Mayra


    senti friooo...calafrios...
    vivi isso em minha casa..com meus pais...é lastimável...

    beijocas

    Loisane

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  8. NOSSA SENHORA MAYRA..QUE BOM QUE A MOÇA SE REFEZ..QUE BOM QUE O PESADELO ACABOU..QUE BOM QUE TUDO PASSOU E ELA ESTA DE NOVO NA STRILHAS PARA A VIDA....QUANTO A POLICIA ..QUERIDA MEU PAI ÉRA POLICIAL RODOVIARIO MAS ELE SEMPRE FALAVA AS VEZES DA RAIVA DE VESTIR A FARDA POIS TEM UNS CABRAS QUE NÃO CONSGUEM HONRAR E AJUDAR AS PESSOAS DE BEM..ELE FALAVA ISSO ..E EU SEI QUE A POLICIA FAZ MESMO VISTAS GROSSAS AS VEZES ATE PELO JUDICIARIO NÃO POR VAGABUNDOS NA CADEIA...ELES SAEM RINDO PELA PORTA DA FRENTE DA DELEGACIA.....QUANTO A TER QUE SAIR PRA NÃO MORRER GRAÇAS A DEUS QUE ELA SAIU POIS O FIM E SEMPRE RUIM MESMO E MELHOR ESTAR DISTANTE DE PSICOPATAS MELHOR ASSIM DEUS QUE COLOCOU AS MÃOS COM CERTEZA E QUANTO A JSUTIÇA ...VIXE TENHO PENA DELE A HORA QUE CAIR NA DIVINA JUSTIÇA QUE ESSA MINHA QUERIDA EXISTE E AQUI NÃO É LONGE DAQUI NÃO TUDO QUE FAZ PAGA AUI E COM JUROS DO TEMPO DO COLLOR VIU?

    BJS BJS
    BOM DOMINGO PRA TI...


    PS......NO MATO GROSSO ANTIGAMENTE ESSE PROBLEMA SE RESOLVIA FACIM FACIM..RSRSR RSRSRS ..

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  9. Tipo o "Teatro de Mistério" que era veiculado na Rádio Nacional-AM na década de 1970.
    Muito interessante mesmo.
    Bjs.
    ____
    Olha a timidez, hahahaha!

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  10. Mayra amiga por quanta coisa vc tambm passou. poxa quando estava lendo seu texto me arrepiava toda por isso questionei se era vc a moça?
    se vc quiser meu msn te passo por e mail. ou vc pode me passar o seu agent se add e conversa é melhor do que apenas email.
    um beijo querida..

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  11. Mayra,


    Uma crônica maravilhosa!

    Ah, quantas vezes nos surpreendemos com a face horrenda de alguém, nos causando repudio, nos sentindo traído por nós mesmos, por não haver desconfiado antes da face real de quem nos foi desleal!


    Um abraço, Marluce

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  12. É Mayra querida !
    As pessoas são uma caixinha de segredos.
    E nós nos surpreendemos tanto quando criamos muitas expectativas ...

    Belo texto !

    Beijinhos

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  13. Impressionante Mayra.
    Tocou fundo. Loucura total!
    E quantas mulheres não sofrem algo parecido por aí?
    Dá frio na barriga só de pensar!

    Adorei o texto!

    E sim, sobre o meu, é recomeço! Obrigada pela presença!

    Beijos! E vamos confiar na vida!

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  14. Este comentário foi removido pelo autor.

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  15. Então, Má,

    A gente vive uma vida inteira ao lado de um traste desses e nem consegue sequer conhecer direito! Eu fico abismada, sempre.
    Mas adorei você ter a coragem de publicar esse texto. Porque sei que não foi fácil passar por tudo isso.
    Mas, ainda bem que aconteceu tudo isso! Rsrsrsrs. E você teve que vir pro interior!!!
    Ainda bem!

    Um beijo grande, minha querida

    Carla

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  16. Mayra..
    Sou tão escancarado e autêntico que acredito jamais passar por uma dessa, hum.... pensando bem deva ser por isso que sempre estou só ou mal acompanhado... hehehehe

    Bejo
    Tatto

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  17. Mayra,

    penso que esse texto seja um fato e a personagem principal........ vc sabe bem quem é, né não???

    Amiguxa, tem selinho para vc lá no meu post. Passe por lá e pegue.

    Abração e bom início de semana.

    Nara.

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  18. Gostei do texto e achei sensacional o final, às vezes o que resta é só uma dentadura!
    abs
    JUssara

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  19. Olá!
    Passei pra agradecer a visita e me encontrei lendo sem parar tuas palavras,que me hipnotizaram!
    A conclusão que chego é:viveu com João,morou com João mas não conhecia João!
    Triste,mas real!
    Beijo!

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  20. Mayara ,

    Adorei sua história , incrível ...


    Bjo grande !

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  21. Seria cômico se não fosse trágico. O pior é que existem muitas histórias como essa por aí. As pessoas se deixam iludir em nome do amor, acreditando que um dia as coisas vão mudar, e nada muda.
    Bjux

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  22. Má,
    Você não me contou com esses detalhes todos, mas sabia de algumas passagens. Muito cruel!
    Admiro sua força de superação e recomeço.
    Um beijo,

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  23. Estamos definitivamente pasmos ao ler um relato tão intenso de uma mulher vitoriosa. Que bom que estás aqui contando isso tudo.
    Mas, infelizmente, sabemos que muitas mulheres estão passando por problemas semelhantes nesse exato momento... E nem é a polícia que tem culpa por nao punir, né? A justiça brasileira é que é uma comédia, tragicomédia.

    Minhas admirações, moça.

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  24. Ai... que frio na espinha. Se mudar algumas coisinhas no texto vira minha história.
    Ninguém tentou me matar. Eu mesma fiz isso. Graças a Deus fui salva.
    Porem o inimigo dormia comigo. Quantas mentiras, quantos golpes... como meu bolso ficou lesado.
    Mas enfim, como disse, estou viva! Pulsante.
    E isso é o que importa, saúde, o resto a vida e nossa vontade interior se encaminham de resolver.
    O mudar de vida nos causa medo, mas é necessario para encontrar uma nova felicidade.
    Parabéns!!! Adorei.

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  25. Mayara, quanto sofrer, hein?!
    "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!"
    O importante é que ela sobreviveu ao obcessor.
    _____________
    Saiba que a recebo de braços abertos no nosso Clube!
    Deya é uma irmã de alma que (re)encontrei na vida. Amo demais!!!
    Fico feliz por vc ter me achado também.
    Muitos beijinhos e estarei sempre por aqui, conhecendo-a melhor.
    Beijos

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  26. Mayra que historia amiga, estou ofegante perdida em meus pensamentos no ínicio achei que era apenas uma história, mas ao longo do que fui lendo percebi que não era apenas mais uma mas sim a sua história...parabéns pela coragem pela iniciativa de vir aqui compartilhar com isso não deve ser fácil e graças a Deus que o senhor te livrou disso tudo e hj vc esta aqui nos trazendo esse exemplo de vida e que bom que a vida e Deus deram uma nova chance a você obrigada por tudo... beijos

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  27. Minina, amada!
    Tive que vir aqui primeiro prá depois continuar a leitura acima... Se não fosse pela escrita mais que sentida, pontuada com coração, pensaria ser uma ficção! Agora vou ler o happy end...
    Beijuuss iluminados n.c.

    www.toforatodentro.blogspot.com

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  28. Mayra

    Estou embasbacado com o poder e a força desta história!

    Grato por ter nos proporcionado a chance de lê-la!

    E o final... surpreendente, maravilhoso, depois de tantas lagrimas, arranca-nos gargalhadas aos montes e nos mostra, com total sinceridade, que esta história somente pode ser de verdade, ninguém conseguia criar um final tao bacana, tao surpreendente, tão magnifico quanto este!

    Beijos, amiga!

    Espero que ela, no interior, esteja muito e muito feliz!

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